Você sabia que na França não se fala só francês? Apesar do francês ser a única língua oficial do país, a formação do estado-nação França se deu pela anexação de diversas regiões que falavam outras línguas locais e que, com o passar do tempo, foram perdendo suas identidades, seja naturalmente ou por imposição. O occitano é uma das diversas línguas que existiram e (re)existem no território que hoje chamamos de França.

Popularmente conhecido como Languedoc, sua história remonta a invasão romana na região, importante caminho para chegar à península ibérica. Com a chegada do latim, as línguas locais (de tribos celtas) se misturaram ao modo de falar romano. Com a queda do Império romano e com a chegada dos Francos ao norte da França, o mapa linguístico se dividiu em 2: ao norte do Vale de La Loire se falava o Langue D’Oil e ao sul o Languedoc. Enquanto o Langue D’Oil recebe a influência das línguas germânicas, o Langue d’oc se aproxima muito do catalão e do castelhano. Uma curiosidade sobre a nomenclatura dessas Langues vem da Itália, onde o escritor Dante Alighieri, ao estudar as línguas européias de sua época, as nomeou a partir da maneira com que cada uma delas dizia “sim”, no sul se dizia oc, no norte o oil, que se transformará no oui do francês moderno.
Ambas as línguas coexistiram no território do reino francês durante grande parte da Idade Média, tendo a Languedoc gozado de um período de grande prestígio por ter sido a língua materna do Trovadorismo (l’amour-courtois). Aliás, Aliénor d’Aquitaine (Leonor da Aquitânia) que tem um texto todo seu aqui no blog, era uma falante de languedoc e grande mecenas do trovadorismo. Dessa forma, o occitano acabou se espalhando por muitas cortes européias, se tornando uma língua muito lida pela sociedade letrada da época, tendo o amor cortês como propulsor desse engajamento.

Com o domínio do reino francês nos territórios do sul e o início da criação da ideia de um estado-nação francês, em 1539, François 1er decidiu que a língua oficial do território do reino da França seria o falar ao jeito do norte, a essa altura podemos chamar a langue d’oil de "francês", pois a língua da época já se assemelhava com o francês contemporâneo. Assim sendo, todos os documentos do reino francês deveriam passar a ser redigidos em francês e não mais nas línguas regionais (como era o costume).
Certamente o occitano não deixou de ser falado nas ruas e nas casas do sul da França, mesmo após a ascensão da cultura francesa com a construção de Versailles e da corte de Louis XIV, e das línguas regionais serem marginalizadas ao jeito rude de falar, a languedoc se manteve viva na região onde nasceu.
Tudo mudou no século XVIII durante a Revolução Francesa, em que os revolucionários, a fim de espalhar seus ideais e “uniformizar” o estado de vez, entraram em senso comum de adotar o francês como língua oficial. Dessa forma todos os funcionários da República francesa deveriam falar em francês no exercício de suas funções públicas. O trabalho de instaurar o francês como língua única na vida pública francesa teve seu êxito com a criação da escola pública e laica no século XIX. Além de não incentivarem os falares distintos do francês, durante o século XIX até metade do século XX, a escola proibia os alunos de se comunicarem em occitano, o que acabou acelerando o processo de apagamento da língua, que ficou confinada ao lar, e já não era praticada em espaços públicos.
Como uma maneira de reagir à violência escolar do estado, surgiu, no final do século XIX, um movimento literário na região da occitânia, os Félibrige, que buscavam resgatar a cultura occitana e também a sua língua. Um dos poetas desse movimento, Frédéric Mistral, recebeu o prêmio Nobel de Literatura em 1904, por seu poema Mireio, completamente escrito em occitano.

Apenas em 1950 que o occitano pode voltar a ser ensinado nas escolas francesas no sul do país. Essas escolas têm uma abordagem bilíngue no ensino e com elas temos também uma nova tentativa de reviver a língua e a cultura do Languedoc. Na cidade de Toulouse, capital da região da Occitânia, todos os espaços públicos (ruas, estação de trem, placas de sinalização) são escritas em francês e em occitano (a moça que fala as estações dentro do metrô também pronuncia as estações em occitano).
Por razões óbvias, a Languedoc tem grande influência no léxico do francês atual, alguns exemplos são: abeille (do occitano "abelha"), salade (do occitano "ensalada") e o famoso escargot (do occitano "escargòl"). Apesar dos séculos de apagamento da cultura e da língua do Languedoc, ela continua resistindo, seja se fazendo presente no léxico do francês, nos diversos festivais de preservação da cultura local, seja na literatura e na história, nas ruas de Toulouse, o occitano existe e resiste.
No vídeo abaixo, pequeno trecho do poema Mirèio de Frédéric Mistral.
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