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Papillon e a prisão na Guiana Francesa

Vez em quando, quando digo que morei na Guiana Francesa, me perguntam se não é lá que se passa a história do Papillon.



O livro de 1969, adaptado para o cinema em 1973 e em 2017, foi de fato um best-seller e muita gente já ouviu falar do famoso prisioneiro que conseguiu escapar de prisão de trabalhos forçados na Ilha do Diabo, uma das Ilhas da Salvação (Îles du Salut, em francês).

O autor, Henri Charrière, aplicava pequenos golpes na França hexagonal (chegou a ser comparado com Arsène Lupin pela mídia da época), mas parece que foi condenado injustamente à prisão perpétua por um assassinato que não cometeu. Ele conta ter fugido em 1944 e ter conseguido chegar à Venezuela, onde se instalou e, mais tarde, se naturalizou. Ganhou o apelido de Papillon (borboleta) por ter o inseto tatuato no peito.

Mas afinal, qual a história dessa prisão francesa na América do Sul?

Entre os séculos XVI e XVIII, as prisões se multiplicaram nos territórios coloniais. O discurso dos impérios europeus para enviar seus prisioneiros para o além mar era de que buscavam valorizar os territórios colonizados e queriam oferecer aos prisioneiros redenção através da possibilidade de um recomeço. Mas a gente bem sabe como se chama isso, né? Afinal de contas, esses prisioneiros eram trazidos para trabalhar em campos de trabalhos forçados, então, para eles, não tinha nada de recomeço… Se queria mesmo era se livrar dos ditos crimonosos e ter mão de obra barata para viabilizar a colonização.

Anteriormente, a monarquia francesa confiava seus condenados à Companhia do Mississippi, que os levava às 13 colônias, mas em 1763 o interesse pelas Antilhas e pela Guiana como destino prisional começou a crescer. Nesse mesmo ano, foram enviados à cidade de Kourou, onde hoje fica o segundo motivo pelo qual a Guiana é hoje conhecida e tem sua importância para a França — o centro espacial —, quase 15 mil colonos, dos quais 3/4 morreram ao chegar por aqui e encontrar diversas doenças com as quais nunca tinham tido contato.

A ideia de ocupar o território e fundar a France équinoxiale é então abandonada, mas retomada mais tarde com a Revolução Francesa e com a descoberta das Ilhas da Salvação: três ilhas vulcânicas que ficam a 11 km da costa de Kourou, onde se adaptava melhor ao clima e de onde também a fuga era quase impossível visto o mar agitado e os tubarões que ali circulavam.

Uma lei de 30 de maio de 1854 organiza o transporte para fora da metrópole de todos os condenados aos trabalhos forçados. Isso dura até 1938! É somente nesse ano, com um decreto de lei do FronT Populaire, que se coloca fim à deportação dos prisioneiros à Guiana Francesa. O último prisioneiro foi repatriado em 1953.

O tema das prisões, ou du bagne, como se chama em francês, é importante para entender a história colonial francesa e habita até hoje o imaginário popular pois, além do Papillon, outros casos ficaram muito famosos. É o caso do Affaire Dreyfus, por exemplo, que condenou Alfred Dreyfus por puro antissemitismo da sociedade francesa e incitou a revolta de intelectuais como Émile Zola, que publicou a carta aberta J’Accuse !

Quanto a Henri Charrière, seu livro também foi alvo de polêmicas visto que sua autoria foi contestada. Há quem diga que ele teria sido um impostor que roubou a história de um outro prisioneiro, René Belbenoit. Mas isso já é pura fofoca!

Hoje as Ilhas da Salvação são destino turístico na Guiana Francesa. Lá ainda se pode ver muitas células e ruínas do que eram as áreas comuns da prisão, como o hospital, a cantina, etc. A ilha do diabo, onde viveram Papillon e Dreyfus, no entanto, não pode ser visitada pois as ondas no seu entorno são bastante agitadas e é perigoso aportar perto dela.


Apesar da Guiana Francesa ficar ali, no comecinho do Caribe, as águas do litoral no continente são bastante escuras, mas a paisagem nas Ilhas da Salvação é uma das coisas mais bonitas que eu já vi pessoalmente!




Fonte: Le temps du bagne: Guyane 1852-1953. L’Histoire Éditions (revista).

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