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O movimento Majik Kwir na Ilha da Reunião: resistência LGBTQIAPN+ no seio da cultura crioula

Foto do escritor: Jéssica PozziJéssica Pozzi

Ei, feliz ano novo!

Nesse momento de recomeços e renovação, que tal aproveitar pra renovar as tuas resoluções em relação ao francês?

Pra te ajudar, resolvi falar aqui no blog da Pot sobre algumas coisas incríveis do mundo francófono (e crioulófono) que venho descobrindo recentemente, começando por um canal do Youtube super interessante e um movimento de artistas geniais na Ilha da Reunião. C’est parti ?

Quem já leu meus outros textos por aqui ou já foi meu aluno sabe que eu gosto muito do Youtube como ferramenta de aprendizagem. E eu acabo descobrindo por lá coisas muito fascinantes!

Recentemente me deparei com o canal Arte Tracks, que apesar de pertencer ao grupo franco-alemão Arte, do qual eu sou super fã (quem nunca assistiu um vídeo do karambolage nas aulas da Pot-Pourri que atire a primeira pedra, né? hehehe), eu ainda não conhecia.

O Arte Tracks publica reportagens longas muito interessantes sobre resistência cultural e, sinceramente, não tem nada que me deixe mais animada do que histórias de resistência nesse mundão pra reavivar a esperança que às vezes, eu sei, anda meio borocoxô.

A Ilha de Reunião é hoje um Departamento e uma Região francesa situada no Oceano Índico, pertinho de Madagascar. Lá, encontra-se um verdadeiro mosaico de culturas e religiões que convivem em harmonia. Como língua, prevalece o crioulo, língua materna da maioria da população, e o francês, língua oficial, afinal de contas, sendo departamento e região, a Ilha da Reunião É na França (por mais estranho que possa parecer).

No entanto, quando se fala de identidade de gênero, os preconceitos muitas vezes se sobrepõem. A questão é bastante complexa já que muitos reunionenses, assim como habitantes de outras ex-colônias francesas (pra ficar somente no mundo francófono), acreditam que os países europeus continuam impondo suas culturas, bem como seu progressismo, às populações desses territórios. O senso comum diz, então, que a luta dos grupos marginalizados não cabe na realidade reunionense.

Pensando nisso, uma comunidade de artistas, escritores e dançarinos LGBTQIAPN+ locais se reuniu buscando mostrar, através de seus trabalhos, que não há nada de contraditório entre a identidade reunionense e as identidades LGBTQIAPN+.

Daí surge o movimento Majik Kwir. O nome é em crioulo, mas já dá pra sacar o que significa, né?


Majik Kwir é um livro de contos, mas também um conjunto de performances, ilustrações e filmes. É uma série de trabalhos de Brendon Gercara em colaboração com Ugo Woatzi (também artista) e Emma Di Orio (ilustradora).

O protagonista dessa série de trabalhos é um personagem fantástico e não-binário nascido da lava do vulcão Le Piton de la Fournaise, um dos mais altos do mundo, que fica lá na Ilha da Reunião. A história se passa, ao mesmo tempo, na época colonial e em um futuro imaginado onde as pessoas LGBTQIAPN+ são dotadas de poderes sobrenaturais ligados às diferentes paisagens da ilha, associando, assim, essas figuras à paisagem reunionense e trazendo sobre elas um olhar positivo.

Brendon Gercara conta que sempre traduz suas exposições para o crioulo, mesmo que por vezes essa seja uma tarefa difícil já que algumas coisas são intraduzíveis. É o caso da palavra homossexual, por exemplo, que em crioulo não existe. Assim, pra dizer que alguém é homossexual em crioulo, os reunionenses usam a palavra francesa pédé (de pédéraste), que tem forte conotação pejorativa – uma herança evidente da colonização francesa na ilha. Nesse sentido, em crioulo, não há como caracterizar uma pessoa homossexual sem insultá-la. Daí o surgimento do termo kwir.

Como tudo passa pela língua, inclusive a cultura, os artistas crioulizaram o termo anglosaxão Queer utilizando a grafia do crioulo. Brendon Gercara conta também na reportagem que essa foi uma forma de aproximar a comunidade LGBTQIAPN+ da identidade reunionense, que está intimamente atrelada ao território e, claro, à língua.

Além disso, é interessante perceber que, em francês, o marcador de gênero masculino e feminino predomina nos substantivos, pronomes, etc., enquanto que em crioulo reunionense, o que prevalece é a linguagem neutra. Dessa forma, através da língua e da cultura, tantas vezes subjugadas pela cultura do colonizador, esses artistas, bem como as demais pessoas LGBTQIAPN+, se reapropriam de suas identidades enquanto habitantes da Ilha da Reunião, sem deixar de lado esse outro aspecto super importante que é a identidade de gênero.

Muito interessante, né? Fica então o convite pra ir lá no canal do Arte Tracks e assistir essa reportagem incrível pra conhecer outros artistas kwir reunionenses! Aproveita pra botar em prática a tua compreensão do francês e pra te surpreender com o fato de que dá pra entender alguma coisa em crioulo da Ilha da Reunião 😁


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